O conceito de recalque originário (Urverdrängung), formulado por Freud, ocupa um papel central na compreensão dos processos inconscientes. Ele é um dos pilares da teoria do recalque e, embora seja complexo e envolto em certa obscuridade, sua importância na psicanálise é inegável. O recalque originário refere-se ao primeiro momento de repressão de conteúdos psíquicos, formando o núcleo inconsciente, que atrai novos conteúdos a serem reprimidos ao longo do desenvolvimento.
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O que é o recalque originário?
Freud apresentou o conceito pela primeira vez no Caso Schreber (1911) e o aprofundou em outros textos, como O recalque e O inconsciente (1915), além de em Inibição, sintoma e angústia (1926), sendo um processo fundamental, responsável pela criação do inconsciente primário. É a partir deste núcleo primário que novas experiências, consideradas ameaçadoras ou inaceitáveis, são recalcadas, estabelecendo um sistema de repressão contínuo.
Laplanche e Pontalis, no Vocabulário de Psicanálise, descrevem o recalque originário como um momento hipotético, mas essencial, na teoria freudiana do recalque. Ele é o ponto de partida para os processos subsequentes de repressão, que envolvem a interação entre o inconsciente e o pré-consciente. A formação do recalque originário está ligada a representantes psíquicos que nunca acessam a consciência, mas que exercem uma força de atração sobre os conteúdos que são posteriormente recalcados.
A estrutura do recalque em Freud
Freud descreve o recalque como um processo em três fases: a fixação, o recalque propriamente dito, e o retorno do recalcado. A fixação é o primeiro momento, onde uma parte da pulsão permanece em um estágio infantil. Isso forma a base para o recalque secundário, em que novos conteúdos são empurrados para o inconsciente. O retorno do recalcado, por sua vez, refere-se ao reaparecimento desses conteúdos, geralmente sob a forma de sintomas patológicos, como nas psicoses.
Freud, ao longo de sua obra, também associou o recalque originário a um modelo econômico do psiquismo, onde energias psíquicas, como a libido, são gerenciadas entre sistemas, como o inconsciente e o consciente. Esse aspecto econômico é fundamental para entender o papel do recalque na organização psíquica.
Lacan e o recalque originário
Jacques Lacan, grande leitor de Freud, trouxe uma releitura significativa do conceito de recalque originário, associando-o à estrutura da linguagem. Para Lacan, o recalque originário está intimamente ligado ao momento em que a criança é introduzida no mundo simbólico, através da perda do objeto do desejo materno e da entrada na ordem da Lei. Essa transição é marcada pela substituição do desejo materno pelo significante paterno, representando a lei de interdição. O recalque originário, para Lacan, é o que permite ao sujeito articular-se no campo simbólico, prevenindo assim as consequências da psicose.
Considerações:
O recalque originário é um conceito complexo, mas essencial para a psicanálise. Ele marca o início de uma dinâmica psíquica que influencia profundamente o funcionamento do inconsciente e a formação de sintomas. A partir das reelaborações freudianas e lacanianas, percebemos que o recalque originário não apenas estrutura o inconsciente, mas também sustenta a possibilidade de existir como sujeito inserido na linguagem e no simbólico.
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por Leonid R. Bózio
Brasília, com muita chuva, na primavera de 2024 anno Domini
Fonte: Dicionário de psicanálise por Michel Plon e Elisabeth Roudinesco
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