O Caso Schreber é um dos mais famosos e influentes da psicanálise. Daniel Paul Schreber, um jurista alemão do século XIX, foi analisado por Sigmund Freud em um artigo intitulado “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia”, publicado em 1911. Apesar de Freud nunca ter encontrado Schreber pessoalmente, sua análise baseada nas memórias do paciente, Memórias de um Doente dos Nervos (1903), tornou-se uma peça fundamental para o estudo das psicoses.
O Contexto Familiar e o Colapso Mental de Schreber
Nascido em 1842, Daniel Paul Schreber fazia parte de uma família proeminente na Alemanha. Seu pai, o Dr. Daniel Gottlieb Moritz Schreber, era conhecido por suas rigorosas teorias educacionais, que visavam moldar um “novo homem” através de disciplina física e mental. Essa criação rígida influenciou profundamente a vida de Schreber.
Em 1884, após uma derrota política, Schreber começou a apresentar sinais de transtornos mentais, que resultaram em sua internação em uma instituição psiquiátrica. Durante esse período, ele desenvolveu um elaborado sistema delirante, no qual acreditava que Deus falava diretamente com ele, ordenando-lhe que se transformasse em mulher para gerar uma nova raça. Esses delírios formam a base do caso.
A Análise de Freud
Freud interpretou o caso como uma oportunidade de expandir suas teorias sobre as psicoses. Ele acreditava que os delírios de Schreber representavam uma tentativa de cura, e que estavam profundamente conectados à figura paterna. Para Freud, a homossexualidade recalcada de Schreber, combinada com sua relação complexa com o pai, levou à formação do delírio. O fato de Schreber acreditar que Deus o estava transformando em mulher foi visto por Freud como uma manifestação de desejos inconscientes ligados ao pai.
Críticas à Interpretação de Freud
Apesar do impacto da análise freudiana, o caso de Schereber gerou críticas ao longo dos anos. Em 1955, Ida Macalpine e Richard Hunter propuseram uma interpretação diferente, de orientação kleiniana. Eles argumentaram que Freud negligenciou o papel das teorias educacionais rígidas do pai de Schreber na origem de sua paranóia. Para eles, a loucura de Schreber era causada por uma regressão a fantasias infantis, o que colocou o foco da psicose na relação arcaica com a mãe, ao invés do pai.
O Caso Schreber na Perspectiva de Lacan
Nos anos 1950, Jacques Lacan revisitou o caso durante seu seminário sobre as psicoses. Lacan concordava em parte com Freud, mas acrescentou sua própria leitura, centrada no conceito de foraclusão e no “Nome-do-Pai”. Segundo Lacan, a ausência da função paterna simbólica foi a causa da psicose de Schreber. A exclusão da figura do pai de seu mundo simbólico levou ao retorno dessa figura na forma de delírios. Lacan foi o primeiro a conectar diretamente as teorias educativas rígidas de Gottlieb Schreber com os delírios do filho.
Considerações
O caso continua sendo um dos casos mais fascinantes e amplamente debatidos na história da psicanálise. Desde a interpretação original de Freud até as revisões posteriores de Klein e Lacan, ele nos oferece uma visão única sobre as psicoses e a complexa relação entre o indivíduo e suas figuras parentais. É um estudo é essencial para entender a evolução da psicanálise e suas teorias sobre o inconsciente.
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por Leonid R. Bózio
Brasília, outono de 2024 anno Domini
Fonte: Dicionário de psicanálise por Michel Plon e Elisabeth Roudinesco
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