Neurastenia: da fadiga nervosa à psicanálise

Neurastenia em Freud: Da Fadiga Nervosa à Sexualidade Recalcada – No final do século XIX, uma enfermidade difusa e intrigante tomava conta das queixas clínicas: neurastenia. Mais do que uma simples exaustão física, tratava-se de um emaranhado de sintomas — fadiga persistente, dores de cabeça, insônia, irritabilidade, distúrbios gastrointestinais e uma sensação crônica de esgotamento vital — que parecia escapar ao olhar biomédico. A medicina, então fortemente influenciada pelo paradigma fisiológico, via na neurastenia um colapso do sistema nervoso, uma fraqueza inexplicável de origem funcional.

No entanto, esse “colapso dos nervos” não encontrava causas anatômicas visíveis. Era como se o corpo, sem lesão aparente, falasse por meio do cansaço. Foi nesse cenário que Sigmund Freud ousou propor uma leitura inteiramente nova: que por trás da fadiga estava o desejo; por trás da debilidade, uma luta psíquica silenciosa e não simbolizada.

Neurastenia: O Nome e o Enigma

O termo “neurastenia” foi cunhado em 1869 por George Miller Beard, médico norte-americano, ao observar em seus pacientes um estado de esgotamento nervoso aparentemente provocado pelo ritmo acelerado da vida moderna. A palavra vem do grego: neuron (nervo) e astheneia (fraqueza). Já em sua etimologia, Freud identificava uma ambivalência: a fraqueza era física, sim, mas o “nervo” apontava para algo mais — para o entrelaçamento entre o orgânico e o psíquico.

À medida que o diagnóstico se disseminava, a neurastenia tornou-se uma espécie de “síndrome de época” da modernidade ocidental: o mal-estar de um sujeito atravessado por transformações sociais, morais e tecnológicas, mas sem vocabulário interno para elaborar suas fraturas.

Freud e a Sexualidade Recalcada: A Energia que Não Encontra Saída

Freud vai além da descrição sintomatológica. Em sua análise inovadora da neurastenia — especialmente no texto As neuropsicoses de defesa (1894) — ele propõe que por trás dos sintomas da fadiga estava a energia sexual não descarregada: uma libido que, impedida de seguir seu curso por represálias morais ou conflitos internos, recalcava-se, buscando caminhos indiretos de expressão.

Essa energia acumulada, sem rota simbólica, retorna como sintoma somático: a mente fala através do corpo, mas num idioma cifrado. Surge, então, o conceito de neurose de angústia, diretamente relacionado à neurastenia: tremores, opressão torácica, vertigens, palpitações e sensação de ameaça iminente. São expressões do que Freud chamou de “angústia livre”, isto é, uma excitação sem objeto — um excesso de libido desligada, que se converte em sofrimento.

Libido, Recalque e Sintoma: A Arquitetura Psíquica da Neurastenia

Freud observou que, ao reprimir seus impulsos sexuais — muitas vezes por exigências culturais, religiosas ou morais — o sujeito neurastênico não apenas silencia seu desejo, mas interrompe o circuito de sua energia vital. A consequência é um psiquismo sem fluxo, congestionado por tensões internas não simbolizadas. O que deveria circular como prazer torna-se peso; o que deveria excitar, adoece.

O sintoma neurastênico, portanto, não é um erro da natureza; é uma tentativa de solução: uma forma que o inconsciente encontra para dizer, de maneira indireta, aquilo que o sujeito não pode reconhecer em palavras.

Neurastenia e Subjetividade: Um Mal do Corpo ou da Cultura?

A partir de Freud, a neurastenia deixou de ser um “defeito dos nervos” para se tornar um espelho da subjetividade reprimida. Seu diagnóstico revelou não apenas uma dimensão clínica, mas cultural: a maneira como a sociedade vitoriana lidava com o desejo, o corpo e o feminino, favorecendo o recalque em nome da moral.

A escuta psicanalítica da neurastenia é, assim, uma escuta do indizível: do desejo silenciado, do gozo interditado, do mal-estar que não encontra metáfora. Freud desloca o eixo da causalidade médica para o campo do conflito psíquico: o corpo adoece onde o discurso foi interditado.


Considerações

A leitura freudiana da neurastenia inaugura um novo paradigma na escuta do sofrimento humano. Ao mostrar que os sintomas não são apenas disfunções biológicas, mas portadores de sentido psíquico, Freud transforma a clínica em um espaço onde o corpo é escutado como linguagem. Sua teoria da sexualidade recalcada como origem da neurastenia permanece atual: não porque repete diagnósticos antigos, mas porque nos convida a reconhecer, em cada sintoma, o vestígio de um desejo não simbolizado. A neurastenia, como tantas outras manifestações contemporâneas do mal-estar, não é apenas uma doença: é um modo do inconsciente dizer “algo está fora do lugar”.

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por Leonid R. Bózio
Brasília,  de 2024 anno Domini

 

 

Referências:

Freud, S. (1895). Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada neurose de angústia. In: Obras completas de Sigmund Freud (Vol. I, pp. 337-354). Rio de Janeiro: Imago.

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