Em quais casos seria recomendado um bebê reborn?
Na esteira do artigo anterior — Psicanálise e bebês reborn —, nos debruçamos agora sobre uma pergunta inevitável: em quais casos seria recomendado um bebê reborn? A questão ultrapassa o simples uso lúdico ou decorativo. Ela nos convida a refletir sobre o lugar que o simbólico ocupa no psiquismo humano: o bebê reborn, embora inanimado, torna-se um significante poderoso quando investido de afeto, memória, desejo e luto.
Há contextos nos quais sua presença atua como uma ponte: entre o que foi perdido e o que ainda pulsa; entre o que não pôde ser simbolizado e aquilo que, agora, encontra um nome — mesmo que de pano e vinil.
Importa desde já ressaltar: em todos os casos que citaremos, o uso do bebê reborn emerge como resposta a um sofrimento real. Não se trata de um capricho, modismo ou curiosidade estética. Quem busca esse objeto o faz em meio a um desconforto psíquico intenso — e nele projeta, inconscientemente, uma tentativa de reorganizar o caos interno.
O bebê reborn como objeto transicional: entre perdas e elaborações
A ideia de um bebê reborn como objeto terapêutico não encontra raiz apenas na cultura contemporânea. Desde os escritos de Donald Winnicott, compreendemos que certos objetos ganham valor psíquico singular: são os chamados objetos transicionais, cuja função é permitir que o sujeito, especialmente a criança, tolere a ausência da mãe sem colapsar internamente.
Transpondo essa lógica ao universo adulto — particularmente nas experiências de perda, ausência ou fratura simbólica —, o bebê reborn emerge como uma possibilidade de reapropriação emocional. Ele pode funcionar como extensão sensível do inconsciente: um espelho em que o sujeito projeta e organiza afetos que ainda não conseguem ser elaborados apenas pela linguagem.
Casos em que o uso do bebê reborn pode ser terapêutico
1. Luto gestacional, perinatal e infertilidade
Um dos contextos mais significativos onde o bebê reborn pode ser recomendado é no enfrentamento do luto pela perda de um filho — seja durante a gestação ou logo após o nascimento. Também pode surgir como suporte simbólico em casos de infertilidade e frustrações reprodutivas.
Quem recorre a esse recurso está, quase sempre, mergulhado em um sofrimento profundo. O bebê reborn aparece como uma tentativa simbólica de reconstrução: de dar forma ao que foi interrompido, nome ao que não pôde viver. Ao “cuidar” do boneco, a mãe ou o casal lida com fantasias, idealizações e dores que não encontraram espaço na vida social. Trata-se de um gesto simbólico, não de substituição, mas de expressão. Com o acompanhamento analítico adequado, esse processo pode abrir caminhos para uma elaboração mais profunda do luto, oferecendo à dor um corpo que possa ser tocado, nomeado, despedido.
2. Idosos com Alzheimer e demência
O bebê reborn também tem sido utilizado em instituições geriátricas, principalmente na Europa e América do Norte, no tratamento de idosos diagnosticados com Alzheimer ou outras formas de demência. A presença do boneco evoca memórias afetivas, ativa sensações de cuidado e pertencimento, e proporciona tranquilidade em momentos de agitação.
Aqueles que interagem com o bebê reborn não o fazem por fantasia ou ilusão, mas por um impulso inconsciente que busca reorganizar a própria identidade fragilizada pelo avanço da doença. Estudos clínicos mostram que o uso controlado do bebê reborn pode reduzir sintomas de ansiedade e promover uma reconexão emocional com vivências maternas anteriores — uma espécie de retorno simbólico ao que foi estruturante em sua subjetividade. Contudo, é essencial que essa prática seja integrada a estratégias terapêuticas amplas, evitando o risco de regressões não elaboradas.
3. Solidão, depressão e isolamento social
Outro campo onde o bebê reborn pode exercer função terapêutica é entre adultos — especialmente mulheres — que vivenciam quadros de solidão crônica, depressão ou retração afetiva. O contato com o boneco desperta um gesto: tocar, vestir, alimentar, cuidar. E, ao fazê-lo, o sujeito experimenta um tipo de projeção simbólica que pode reanimar vínculos afetivos perdidos ou jamais desenvolvidos.
Novamente, é importante compreender: essa ação nasce de um vazio que clama por sentido. Não se trata de substituição ilusória, mas de um primeiro passo simbólico rumo à reintegração da vida emocional. A ação simbólica com o bebê reborn pode acionar lembranças primárias, reinscrever desejos e revelar pontos de fixação inconsciente — tudo isso passível de análise e interpretação clínica.
Atenção clínica: quando o bebê reborn pode ser um risco
Embora existam casos bem-sucedidos de uso terapêutico do bebê reborn, seu emprego deve ser criterioso. Quando não mediado por um processo analítico ou profissional, há risco de fixações regressivas, substituições afetivas não elaboradas e até cristalização de fantasias persecutórias ou narcisistas.
Por isso, mais do que recomendar o uso do bebê reborn de forma genérica, é necessário perguntar: o que este objeto significa para aquele sujeito? O que ele está buscando aliviar com esse gesto? Apenas assim se poderá discernir se ele opera como via de elaboração simbólica ou como armadura contra o real.
Leitura recomendada: O brincar e a realidade, de Donald Winnicott
Para compreender profundamente a dinâmica dos objetos transicionais — e o que significa brincar na construção do self — recomendamos a leitura da obra O brincar e a realidade, de Donald W. Winnicott. Um texto clássico, indispensável para quem deseja mergulhar no entrelaçamento entre realidade psíquica e mundo externo, entre fantasia e simbolização.
Considerações
O uso do bebê reborn pode ser recomendado em casos específicos, como luto gestacional, infertilidade, demência ou isolamento afetivo. Contudo, sua eficácia simbólica depende do modo como é investido subjetivamente e do acompanhamento que o cerca. Em todos os casos, há uma dor em curso, uma busca de reorganização, um desejo — às vezes inconsciente — de reencontrar-se com a vida.
Na psicanálise, não é o objeto em si que cura, mas o que ele representa na história do sujeito.
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por Leonid R. Bózio
Brasília, de 2025 anno Domini